O nome soa a América do Sul, e, vistas as coisas, cumpre bem a função para que foi adotado. «É para manter o anonimato», explica Tikito ao Maisfutebol, sem perder o tom sério. Aposta ganha. Na Figueira da Foz, ainda são muitos os que não fazem ideia de quem se esconde atrás daquele ar impenetrável. Por vezes, até os colegas duvidam dele.
A discrição tem sido a imagem de marca do central de 25 anos, chegado a um patamar em que a preza como a um bem precioso. O passado ensinou-o a ser assim. Já lá iremos. Por agora, concentremo-nos no presente em que procura distanciar-se cada vez mais da incompreensão, dos acidentes de percurso, da simples maldade humana.
Na Naval encontrou, por fim, um porto de abrigo. «Vivo numa cidade calma, dá para trabalhar com tranquilidade e concentrar-me no meu objetivo. Faço uma vida de treinos, casa, jogos, casa e algum passeio de vez em quando», descreve.
Cauteloso, desconfiado até - o Maisfutebol precisou de quatro meses para finalmente lhe fazer esta entrevista - , Tikito não quer dar mais passos em falso. Leva 28 jogos completos com a época a meio. Uma parte do plano está concretizada, falta o resto.
Um pronúncio de glória aos 17 anos
O disfarce, insistimos, colou na perfeição. Já o testemunhamos. «Tikito?, quem?», ouvia-se ainda há pouco tempo na bancada de Imprensa do Estádio José Bento Pessoa. Mas a internet simplifica. «Ah, Steven Thicot! Agora já me diz algo...» Há coisas difíceis de ocultar. Ficam gravadas. Há registos.
Foi tu cá, tu lá, durante anos, com Benzema, Nasri, Menez ou Ben Arfa, ergueu o troféu de campeão da Europa de sub-17 em 2004, em suma, foi das maiores promessas do futebol francês. Aos 17 anos, após um percurso imaculado no célebre centro de formação de Clairefontaine, tinha tudo para, no mínimo, chegar tão longe como os colegas.
«Formámos uma geração fantástica, ganhámos vários torneios, eramos muito bons. Julgo que só tivemos três ou quatro derrotas em quatro anos», recorda, orgulhoso de ter capitaneado essas célebres equipas. Nas meias-finais do Europeu, Thicot até enfrentou Portugal.
«Um adversário sempre muito difícil, uma nação do futebol. Perdíamos ao intervalo [golo de Bruno Moreira, atualmente no Nacional], mas nos balneários jurámos que os íamos comer.» Dito e feito. Nasri, Menez e Ben Arfa «arrumaram-nos» em pouco mais de 10 minutos. Seguiu-se a final com a Espanha de Piqué, Fabregas, Javi Garcia e Capel. Nova vitória gaulesa.
«Foram os mais belos momentos da minha carreira», confessa aquele que era conhecido entre os jovens «bleus» como a... segurança social. «Foi o Hatem [Ben Arfa] e o Karim [Benzema] que me colocaram a alcunha. Quando fazíamos uns jogos entre nós, só tinha de lhes dar a bola, lá atrás eu resolvia.» Um prenúncio de glória.
«Estive sempre ao nível deles, só não era avançado. Quem se lembra de mim, sabe disso. Mais: se alguém que me defrontou nessa época disser que me fez o que lhe apeteceu, é mentira. A certa altura, falavam mais de mim do que dos outros. Todos os dias havia notícias de grandes clubes que me queriam: Inter, Ajax, a Juve...»
Aconselhou-se com a família, decidiu ficar, porque tinha um sonho para cumprir e acreditava piamente ter capacidades para lá chegar: assinar como profissional e estrear-se com a camisola do «seu» Nantes na Ligue 1. Não o deixaram.
O que se seguiu desafia-lhe toda e qualquer possibilidade de compreensão . Assinou por três épocas, mas, só na segunda, emprestado ao Sedan, pôde, enfim, jogar no principal escalão francês. De regresso ao clube «canarinho», agora na II Liga, voltou a não ser utilizado. Livre de contrato, saiu para o Hibernian, da Escócia. Pelo meio, teve algumas lesões, uma época sem jogar, e, finalmente, a redenção na Figueira.
É de ideias fixas. Jura que nunca mais voltará ao Nantes.
Reportagem retirada do site maisfutebol.